24.11.08

RECORTES



José Carlos Fernandes e Luís Henriques
Terra Incígnita I: a Metrópole Feérica
Tinta da China

A génese desta nova série de banda desenhada com argumento de José Carlos Fernandes e parcerias várias ao nível do desenho encontra-se no enorme volume de narrativas já produzidas pelo autor, bem como na necessidade de encontrar diferentes expressões visuais, por vezes afastadas daquele que é o registo gráfico do próprio JCF, para a sua concretização. As Blackbox Stories já haviam partido desta necessidade e Terra Incógnita segue-lhes as pisadas, até no desenhador que escolheu para co-autoria do primeiro volume, Luís Henriques.

A partir do vasto património das utopias e distopias, A Metrópole Feérica recolhe as histórias possíveis de um conjunto de cidades que, imaginárias, não deixam de ecoar referências concretas (como Trabântia, evocando o carro fabricado na ex-RDA) e temores universais (Manata, esmagada pelo próprio lixo).

Se o argumento constitui uma expansão coerente (ainda que sem surpresa ou inovação) daquele que tem sido o programa narrativo de JCF, o trabalho do desenho e da mise en pâge e o modo como este se apropria da estruturação das histórias, criando ritmos e arcos narrativos a partir da sua própria lógica, confirmam a riqueza da obra e as capacidades de Luís Henriques, marcadas pela reflexão sobre os limites e a maleabilidade de uma linguagem que aglutina matéria verbal e imagética, bem como pela procura do registo gráfico que melhor preenche as características de cada narrativa. Muito longe do virtuosismo gratuito, a diversidade plástica que atravessa este livro relaciona-se directamente com a sua lógica interna, que procura erguer cada cidade de modo autónomo e em relação com a sua essência. Veja-se ‘Fílon’, a cidade ordenada e imperturbável, alçada sob os versos de Wyslawa Szymborska e talvez a mais harmoniosa das narrativas aqui incluídas: a sua arquitectura plasma-se na arquitectura interna de cada prancha, com as divisões entre espaços e volumes a definirem os momentos narrativos e com a progressão aparentemente ininterrupta da imagem a criar um modo elíptico algo diferente da tradicional suspensão entre vinhetas. Não é espalhafato visual; há muito para reflectir em cada traço de Henriques e estas cidades confirmam-no desde os alicerces.

Sara Figueiredo Costa

(Texto publicado no suplemento Actual do jornal Expresso, 15 Nov. 2008)

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